Um estudo realizado no meliponário da Embrapa Meio Ambiente reuniu um grupo de pesquisadores da Bélgica, Espanha e Brasil para avaliar como ocorre a transmissão do conhecimento sobre arquitetura de ninhos entre gerações distintas de abelhas. Após realizar uma série de experimentos, os cientistas constataram que abelhas transferidas de um tipo de ninho para outro se adaptavam rapidamente ao seu estilo de construção.
De acordo com Viviana Di Pietro, da Bélgica, os resultados demonstram que as abelhas utilizam a estrutura do favo existente para orientar a construção subsequente. Isso significa que o próprio favo funciona como um guia, transmitindo as tradições de construção de ninhos através das gerações.
“No geral, nossas descobertas fornecem evidências convincentes para a persistência de tradições comportamentais em um inseto, com base em um mecanismo simples de herança ambiental e sem exigir qualquer mecanismo de aprendizagem sofisticado, expandindo assim a nossa compreensão de como as tradições podem ser mantidas em espécies não humanas. Os resultados do nosso experimento de promoção cruzada confirmam a hipótese da herança ambiental”, esclarece Di Pietro.
"As abelhas sem ferrão são um modelo interessante para esse tipo de estudo porque utilizam arquiteturas bem diversificadas entre si. Elas vivem em colônias complexas e constroem seus ninhos a partir de uma mistura de cera produzidas por elas mesmas e resinas de plantas, onde armazenam alimento, a rainha bota seus ovos e abrigam a próxima geração. A maioria das espécies utiliza uma arquitetura própria e padronizada. Podem ser construídos em forma de cachos, irregulares ou regulares", explica Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.
"Porém, uma das espécies de abelhas sem ferrão, a Mandaguari (Scaptotrigona depilis), apresenta duas formas diferentes, podendo ser em favos paralelos ou formato espiral. Por isso, essa espécie representou uma oportunidade perfeita para estudar o tema', destaca o pesquisador.
Quando expostas a estilos arquitetônicos alternativos, as operárias mais experientes não aderiram aos seus padrões de construção originais, implicando assim que a variação arquitetônica do ninho não foi controlada por genes ou por experiência anterior. Em vez disso, ajustaram prontamente o seu comportamento para se alinhar com a estrutura em favo fornecida, como evidenciado pela rápida mudança nos padrões de construção observada na primeira semana – uma mudança que permaneceu constante durante várias semanas.
Portanto, o estudo fortalece o argumento de que as tradições animais e a transmissão não genética do comportamento podem ser baseadas em processos cognitivamente simples, como por meio de feedback ambiental mediado pela estigmergia - método de comunicação indireta onde os diversos componentes, denominados agentes, comunicam e colaboram entre si.
O estudo não apenas avança nossa compreensão do comportamento das abelhas sem ferrão, mas também contribui para uma discussão mais ampla sobre os mecanismos de transmissão comportamental e manutenção da tradição nas sociedades animais.
Para Menezes, o estudo é um exemplo claro de como as abelhas sem ferrão são um tesouro da nossa biodiversidade, não somente para as questões mais aplicadas, como o mel e a polinização agrícola, mas também repletas de boas histórias para serem descobertas e contadas.
“A cada dia ficamos conhecendo mais casos surpreendentes no universo dessas abelhas. Já vimos casos de abelhas carnívoras, abelhas que cultivam fungos, algumas que produzem mel alucinógeno. Tem espécies que cospem ácidos que queimam a nossa pele, outras conseguem cortam nossos cabelos. Algumas possuem guardas especializadas, enquanto outras se fingem de mortas quando molestadas. Certamente ainda temos muitos mistérios para desvendar nesse grupo”, ressalta o pesquisador.